domingo, 24 de abril de 2011

Rotina


Cansado da mesmice de sempre, resolvi, um dia desses, ainda na cama, que naquele dia eu faria diferente...

Despertei rapidamente e tratei de pôr o pé esquerdo no chão, afinal de contas, essa história de acordar com o pé direito nunca deu certo mesmo.

Não arrumei a cama e não fiz questão de virar os chinelos e colocá-los lado a lado. Eu queria mudar, testar algo novo. No café da manhã, em vez de pingado, tomei pinga. O nome é parecido, mas o efeito é muito diferente...

Desisti de ir de ônibus e resolvi que ia ao trabalho caminhando. Com óculos escuros e uma camisa verde-limão eu estava pronto pra diversão.

Passando pela praça da matriz, resolvi conversar um pouco com os mendigos. Papo vai, papo vem, peguei um pito emprestado com um deles e sai fumaceando pela rua afora.
Aquilo estava demais, aquilo era coisa de maluco, aquilo estava fugindo completamente dos meus padrões...

Passando em frente ao escritório de contabilidade, já próximo do meu trabalho, resolvi falar com àquela moça bonita que recepcionava os clientes e sempre que me olhava tratava logo de ajeitar o cabelo.

"Bom dia." - Eu disse.

"Bom dia, posso-lhe ajudar ?" - Ela respondeu perguntando.

"Pode sim. Preciso falar com o gerente dessa espelunca." - Respondi.

Ela, com olhar de espanto, disse:

"Só um minuto, por favor."

E nisso saiu andando para dentro do escritório...

Peguei sua caneta, rasguei um pedaço de papel de sua agenda e anotei um recado, que dizia:

"Pra quê deixar pra amanhã o que se pode fazer hoje ? 7413-9986."

Sai correndo e me escondi atrás de uma árvore e pude vê-la sorrindo e guardando meu bilhete no bolso de sua calça.

Me empolguei, mas percebi que estava atrasado pro trabalho... Atrasado o cacete! Resolvi chegar fora do horário. Passei na padaria e comi pastel com coca-cola e depois do terceito arroto me bateu um "peso na consciência". Eu precisava inventar uma desculpa pra esse atraso...

Chegando no trabalho, fui logo sendo indagado pelo patrão:

"Isso são horas ?"

"É que o ônibus quebrou, tive de vir caminhando..." - respondi.

Depois de me olhar com aquela cara de que "não acredita, mas tem que aceitar", virou as costas e foi pra sua sala. Percebi então que uma mentira bem contada é muito mais bem aceita do que a verdade mal contada.

Já trabalhando, resolvi acessar à internet e entrar numa sala de bate-papo... Quem iria acreditar que eu, depois de vinte anos de empresa, fosse passar a manhã toda na internet passando informações falsas na rede? Nem eu estava acreditando naquilo...

No almoço resolvi comer de tudo um pouco, até jiló entrou na mistura. Queria sentir coisas novas, queria reinventar meu dia, queria algo diferente pra mim.

Na segunda parte do expediente, ao invés de comprar novas mercadorias pro estoque, resolvi ir numa loja de informática e comprar um computador mais novo. Precisava de um mais atualizado, rápido e sem frescuras, afinal de contas, já faziam três anos que eu usava a mesma porcaria.

Fim do expediente! Na verdade, ainda faltavam cinco minutos pras cinco, mas resolvi ir embora mesmo assim. Precisava ir correr em volta da praça. Há mais de cinco meses que eu não corria...

Depois de correr, já em casa, sentei no meu trono e comecei a evacuar e pensar... pensei muito, mas um pensamento destacou-se:

Pra quê comer se eu vou cagar depois ? Pra quê levantar se depois eu vou deitar denovo ? Mas depois da primeira remessa de merda afundar nas águas rasas da privada esse pensamento sumiu e ver as ofertas do dia do jornalzinho do supermercado parecia ser mais interessante...

Depois disso, peguei o celular e mandei uma mensagem pro meu colega:

"Hoje eu vou jogar truco com vocês!"

E não deu outra. Joguei truco e bebi cerveja a noite toda, chamei até a mãe dele de marreco.

Ao chegar em casa, acendi mais um cigarro e antes que meus olhos fechassem de sono, olhei meu celular e não vi nenhuma chamada perdida e nenhuma mensagem recebida...

Entre "pescadas" e bocejos, concluí que apesar de mudar a minha rotina, meu saldo bancário continua o mesmo, meu carro continua quebrado, meu cabelo continua enrolado, meus olhos ainda são castanhos, meus amigos ainda são os mesmos, a vida continua a mesma: sem sentido.

Talvez mudar a rotina não mude nada.




...




Até que sou acordado por um barulho estranho. Era uma mensagem nova no celular, que dizia assim:

"Passa aqui amanhã pra falar com o gerente... :) Bruna."


...


Pensei melhor: talvez mude sim.

Então fechei meus olhos e dormi acreditando que era um cara feliz.