sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Mais um



Seria apenas mais um passeio habitual por mais uma de tantas praças da cidade se não fosse pela espantosa visão de um velho senhor que com os olhos fixados no chão parecia esperar pelo brotamento de um milagre.

Fiquei observando aquela cena por alguns minutos, mas acabei cedendo à intensa pressão de minha consciência e fui embora a fim de dar conta de cumprir meus afazeres.

Confesso que fiquei com aquela cena na cabeça e curioso que sou comecei a passar todos os dias por aquela praça. E pra instigar ainda mais minha curiosidade... Acredite, aquele velho senhor ficava sempre sentado naquele mesmo banco, olhando fixamente para o chão, como se a qualquer momento algo extraordinário fosse surgir da terra.

Já num outro dia, em um dia daqueles que nada se encaixa, tudo parece tão sem sal, resolvi então passar por aquela praça e indagar aquele senhor.

Chegando no local, me aproximei aos poucos, sentei ao seu lado no banco e também olhando para aquele pedaço de chão, cheio de terra, perguntei:

- Desculpa lhe atrapalhar, mas preciso lhe perguntar. Por que todos os dias que passo por esta praça vejo o senhor olhando para o mesmo lugar?

Sem deixar de olhar para o chão, ele respondeu:

- Plantei minha mulher e estou esperando ela brotar.

Espantado com sua resposta, retruquei:

- Como assim? Sua esposa está enterrada aí?

Sem mover a direção dos olhos, ele me respondeu:

- Ela faleceu há alguns anos. Seu nome era Rosa. Era bela e perfumada. Ela quem dava cor ao meu dia.

E então ele desatou a chorar, mas sem deixar de olhar pra chão.

Esperei alguns segundos e insisti pra que ele continuasse a história. E ele continuou:

- Peguei um fio de cabelo dela e plantei neste local. Agora é só esperar ela brotar e crescer. Não vejo a hora de poder vê-la novamente.

Encabulado com a história, acendi um cigarro e burramente perguntei:

- Mas as pessoas nascem assim? Você não acha que deveria procurar ajuda pra aceitar a morte de sua mulher?

Ainda com os olhos fixos no pedaço de chão ele surtou e gritou:

- Quem você pensa que é pra me perguntar uma coisa dessa? Sei muito bem que todos pensam que sou louco, mas não vejo a hora de Rosa brotar pra voltar a mostrar minha felicidade ao mundo. Agora saia daqui com este fumo imundo. Não fará bem à Rosa.

Atordoado com os berros tomei meu rumo e nunca mais passei por ali...

Após alguns anos, a cena me fugiu da memória, mas por engano, um dia acabei tomando o rumo daquela praça e me decepcionei ao ver que o senhor não se encontrava mais ali.

Depois de conversar com alguns comerciantes próximos da praça, descobri que ele havia falecido ali mesmo, há alguns meses. Basicamente eles relataram que ali morreu um velho louco de uma forma banal.

Insatisfeito com esse final preferi acreditar que ali morreu uma pessoa comum, que morre como qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar, acreditando em qualquer coisa.

(Marcus Paulo Moreira Matias)