domingo, 27 de maio de 2018

Cidadão de bem

Nem político, nem polícia, nem ladrão e muito, muito menos a serpente. Bixo mais perigoso que existe é o cidadão de bem.

Em seu discurso, ele diz não se misturar com a gentalha. Não é capaz de reconhecer em si traços do que ele tanto critica no outro. Ele também não consegue compreender muito esse outro - que até parece falar outra língua - e também por isso, o encapsula em suas perigosas generalizações: imoral, irracional, dentre outros, o satânico.

Ele, o homem de bem, se sente puro, separado de todo mal. Uma explicação para a desgraça alheia? Ele diria livre arbítrio, próprios méritos.

Canalha!

Mas calma, ele não é de todo ruim. Ele tem o espírito caridoso. Sua bondosa alma é capaz de levantar fundos no Natal ou chorar de emoção aos sábados vendo o Zé ganhar 10 mil no Luciano Huck depois de passar perrengue durante 2 anos na Rocinha.

O homem de bem... Ele não é capaz de rir de si mesmo. Está sempre atento e de olho pra apontar o erro alheio, de preferência explanando para um terceiro. Ele acusa e julga. É o purgatório incorporado! Ele é do tipo que não suporta contradições, algo que abale seu "incorruptível caráter" e por isso mesmo deixa de enxergar a sua grande contradição: a de que ele é maior sustentador desse sistema que incluí o político, a polícia e o ladrão. Ele é viciado nesse jogo, o ama de paixão, mas jamais conseguiria assumir isto a si mesmo.

Enquanto a serpente? deixa ela procriar...

Cuidado com a versão de homem de bem que você carrega dentro de si.

domingo, 20 de maio de 2018

Refazendo tudo

Trago boas novas!
Não morreremos.
Mas calma,
é que nem nascemos.

Queime sua identidade
e venha comigo

podemos ser patos aos domingos
e segunda não mataremos
mas seremos leão

ah como eu sonhei com isso...

Mas chegou a hora de ser abacate de verdade
em nossa fazenda dividiremos leito com o gado
Mas não duraremos mais que 3 dias

Deixaremos o MST tomar conta
não temos terra nem queremos ter
já nos temos e também não

Nos cortaremos feito pipas
E nos aparemos

Faremos um doce da maçã proibida
Ensinaremos os macacos a fazer fogo
E aprenderemos a não pensar com as cobras

Voltaremos a cidade de quinze em quinze dias
quando não nos perdemos em alguma aldeia indígena

Quem sabe a gente não leve as boas novas como Jesus?
Mas não morreremos por ninguém
Nem seremos guias

Seremos cada instante em que brotar no meio dos nossos seios
Sentiremos o sereno sem contar o tempo
Seremos a risada diante da morte
Seremos idiotas
e acima de tudo, nada.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Carta ao meu inimigo

Caro inimigo,
sinto sua falta.
É que só agora pude notar
o quanto não posso me ser sem ti.

Essa sua cara asquerosa
que me faz o coração bater mais forte

Essa tua maneira estúpida de falar
que me faz perder os brios

Essa tua instransigência
que me faz ranger os dentes

...

Desejo-lhe toda força do mundo
pra que continues sendo assim.

É que a cada burrice sua
Me sinto mais sagaz

É a cada vitória sua
Me repenso e me supero

A verdade é que te amo, mas também te odeio!
Compreende? Espero que não.
Adoro sua incapacidade de não binarizar

Te amo por que te odeio
E te odiando me amo cada vez mais

Que você nunca deixe de ser tão repugnante.
Preciso te odiar
foi assim que eu me criei
foi assim que aprendi a me amar.


(Marcus P. M. Matias)