domingo, 5 de julho de 2015

fuzo ê

galo cantando


Fuzuê na roça.
Leite derramando,
Cachorro latindo,
E bezerro berrando.

Sol mirando às nove.
Acontece é que perdi a hora,
Não que assim quisesse,
É que o galo bateu as botas.

Salva o leite, alimenta os bichinhos
E acorda o Tonico pra buscar o gado.
O dia está salvo.
Mas como fica o amanhã?

Sem galo Zico o dia não começa.
Tô todo fodido.
Como sem mais nem menos
Esse galo mete essa!?

Não dá tempo de chorar por Zico.
Vou logo na feira pra acabar com esse sufoco.
Amanhã mesmo a gente já esquece,
assim que chegar o galo novo.

(Marcus P. M. Matias)




domingo, 7 de junho de 2015

Quadrilha

Teresa curtia João que pegava Raimundo que namorava Maria que desejava Joaquim que flertava com Lili que escolheu esperar.

Teresa foi pro Rio de Janeiro, João Virou pastor, Raimundo assumiu de vez, Maria nunca mais amou, Joaquim faz tratamento psiquiátrico e Lili perdeu a virgindade com Amanda que antes vivia um casamento de fachada.

(Marcus P. M. Matias)

(Adaptação Poema Carlos Drummond de Andrade)
Original: http://pensador.uol.com.br/frase/Mzk0MDY/

terça-feira, 19 de maio de 2015

Vamos brindar



Num dia desses, numa mesa de bar, me veio uma vontade diferente de brindar. E brindei.

Um brinde ao vice-campeonato
À bola que não entrou
E ao plano que se mantém inato

Um brinde ao pedido rejeitado
Ao arroz que queimou
E ao café que ficou fraco

Um brinde à semente que não germinou
Ao pássaro que não canta
E à ideia que não vingou

Um brinde ao atraso
À ligação perdida
E outro pro evento adiado

Um brinde à palavra mal colocada
À atitude infeliz
E a resposta não dada

...

Hoje eu resolvi brindar o que deu de errado
Me disseram que essa moda não vai ter sucesso
É que eu já não me preocupo como antes
Desce outra Seu Anézio

(Marcus P. M. Matias)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Corre

meninos correndo


É a vida.
Nunca para.
Se ajeita,
Te prepara.

Já se foi mais um sol,
Já vem mais uma lua.
Corre que o banho ainda é quente,
Depois se seca e se perfuma.

Um olho na moça e outro na rima.
Agora corre e bebe logo este café,
Antes que esfria.

...

Tempo pra saudade
Tempo pro depois
Tempo pro agora
Corre que a vida é curta,
vive logo, sem demora.

(Marcus P. M. Matias)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Eu, o vazio e a luz

Luz na escuridão


Quando dei por mim, estava nu, numa escuridão sem fim. Não tinha chão, nem tinha teto. Não sentia vento e não enxergava uma estrela. Estava só. Era apenas eu e o vazio.

Gritei por socorro e não tive resposta. Flutuei por milhas de nada em busca de algo palpável e nada encontrei. Chamei por Deus e nada aconteceu. Chorei feito criança clamando por piedade, mas não resolveu.

Os segundos se transformaram em horas, os pensamentos já se emaranhavam e o sono não vinha. Fome também não tinha. Eu só queria sair dali.

E no momento em que o desespero começou a tomar conta de mim, eis que surge uma luz ofuscante e perturbadora, que me acordou pra vida. Era a minha amada mãe que acendeu a luz do quarto pra me acordar do pesadelo e avisar que eu estava atrasado pro trabalho.

(Marcus Paulo Moreira Matias)

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Amanda


Era inverno. O sol já se findava, mas ainda podia se encontrar alguns feixes de luz. O vento frio e seco que adentrava o quarto de Amanda pela janela ia esfriando cada vez mais seu coração.

Amanda estava deitada, pálida e moribunda. Ela não tinha planos. Por sua mente não se passava nenhum pensamento. Havia bebido um copo d'água há dois dias. Na boca seca e trêmula era visível as marcas de dolorosas mordidas.

Amanda não reagia. Qualquer desvio do olhar já lhe fazia chorar profundamente. Tirar o pensamento do vazio significava ter de enfrentar sua infinita dor.

Ela estava só. Fadada a si mesma. O rádio tocava sua música preferida infinitas vezes, mas era como silêncio pra aquela menina.

Amanda suspirou, fechou os olhos e adormeceu...

Foi então que uma borboleta, daquelas que andam sozinhas por aí, adentrou no quarto pela janela e pousou na ponta do nariz de Amanda.

Amanda despertou, abriu os olhos e se espantou com a beleza daquela criatura.

Ela lembrou-se de sua infância, de quando brincava com seu irmão no quintal de sua casa, próximos de árvores, flores e claro, das borboletas.

Com a mão trêmula, ela encostou na borboleta, que aquietou-se em seu dedo. Amanda sorriu. Os olhos brilharam e o coração disparou.

Com extremo cuidado, Amanda foi até a cozinha e pegou um pote, onde prendeu a borboleta.

Amanda estava reagindo. Acompanhada da borboleta ela comeu, lavou-se, arrumou-se e foi caminhar.

Neste dia pareceu até que o sol demorou um pouco mais a se pôr só para poder ver Amanda sorrir.

...

Amanda caminhou até a praça e sentou-se no gramado. Tudo parecia estar voltando ao normal, mas ao olhar para o pote, Amanda notou que a borboleta estava fraca e pálida, assim como ela se encontrava há algumas horas.

Amanda entrou em um dilema. Ela não sabia o que fazer. Ao mesmo tempo que tinha medo de soltar sua companheira e voltar à sua tristeza sem fim, ela sabia que não era justo manter a borboleta na mesma situação que ela se encontrava.

Foi então que Amanda decidiu soltá-la. A borboleta cambaleou, mas voou, pra bem longe... onde poderia alegrar novas vidas.

Doeu, mas ela soltou. Por mais que lhe fizesse bem, Amanda sabia que não era justo prendê-la.

E pra quem gosta de finais felizes, saiba que de vez em quando a borboleta vai visitar Amanda, que agora vive bem, apesar de tantos pesares.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Mais um



Seria apenas mais um passeio habitual por mais uma de tantas praças da cidade se não fosse pela espantosa visão de um velho senhor que com os olhos fixados no chão parecia esperar pelo brotamento de um milagre.

Fiquei observando aquela cena por alguns minutos, mas acabei cedendo à intensa pressão de minha consciência e fui embora a fim de dar conta de cumprir meus afazeres.

Confesso que fiquei com aquela cena na cabeça e curioso que sou comecei a passar todos os dias por aquela praça. E pra instigar ainda mais minha curiosidade... Acredite, aquele velho senhor ficava sempre sentado naquele mesmo banco, olhando fixamente para o chão, como se a qualquer momento algo extraordinário fosse surgir da terra.

Já num outro dia, em um dia daqueles que nada se encaixa, tudo parece tão sem sal, resolvi então passar por aquela praça e indagar aquele senhor.

Chegando no local, me aproximei aos poucos, sentei ao seu lado no banco e também olhando para aquele pedaço de chão, cheio de terra, perguntei:

- Desculpa lhe atrapalhar, mas preciso lhe perguntar. Por que todos os dias que passo por esta praça vejo o senhor olhando para o mesmo lugar?

Sem deixar de olhar para o chão, ele respondeu:

- Plantei minha mulher e estou esperando ela brotar.

Espantado com sua resposta, retruquei:

- Como assim? Sua esposa está enterrada aí?

Sem mover a direção dos olhos, ele me respondeu:

- Ela faleceu há alguns anos. Seu nome era Rosa. Era bela e perfumada. Ela quem dava cor ao meu dia.

E então ele desatou a chorar, mas sem deixar de olhar pra chão.

Esperei alguns segundos e insisti pra que ele continuasse a história. E ele continuou:

- Peguei um fio de cabelo dela e plantei neste local. Agora é só esperar ela brotar e crescer. Não vejo a hora de poder vê-la novamente.

Encabulado com a história, acendi um cigarro e burramente perguntei:

- Mas as pessoas nascem assim? Você não acha que deveria procurar ajuda pra aceitar a morte de sua mulher?

Ainda com os olhos fixos no pedaço de chão ele surtou e gritou:

- Quem você pensa que é pra me perguntar uma coisa dessa? Sei muito bem que todos pensam que sou louco, mas não vejo a hora de Rosa brotar pra voltar a mostrar minha felicidade ao mundo. Agora saia daqui com este fumo imundo. Não fará bem à Rosa.

Atordoado com os berros tomei meu rumo e nunca mais passei por ali...

Após alguns anos, a cena me fugiu da memória, mas por engano, um dia acabei tomando o rumo daquela praça e me decepcionei ao ver que o senhor não se encontrava mais ali.

Depois de conversar com alguns comerciantes próximos da praça, descobri que ele havia falecido ali mesmo, há alguns meses. Basicamente eles relataram que ali morreu um velho louco de uma forma banal.

Insatisfeito com esse final preferi acreditar que ali morreu uma pessoa comum, que morre como qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar, acreditando em qualquer coisa.

(Marcus Paulo Moreira Matias)