segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Amanda


Era inverno. O sol já se findava, mas ainda podia se encontrar alguns feixes de luz. O vento frio e seco que adentrava o quarto de Amanda pela janela ia esfriando cada vez mais seu coração.

Amanda estava deitada, pálida e moribunda. Ela não tinha planos. Por sua mente não se passava nenhum pensamento. Havia bebido um copo d'água há dois dias. Na boca seca e trêmula era visível as marcas de dolorosas mordidas.

Amanda não reagia. Qualquer desvio do olhar já lhe fazia chorar profundamente. Tirar o pensamento do vazio significava ter de enfrentar sua infinita dor.

Ela estava só. Fadada a si mesma. O rádio tocava sua música preferida infinitas vezes, mas era como silêncio pra aquela menina.

Amanda suspirou, fechou os olhos e adormeceu...

Foi então que uma borboleta, daquelas que andam sozinhas por aí, adentrou no quarto pela janela e pousou na ponta do nariz de Amanda.

Amanda despertou, abriu os olhos e se espantou com a beleza daquela criatura.

Ela lembrou-se de sua infância, de quando brincava com seu irmão no quintal de sua casa, próximos de árvores, flores e claro, das borboletas.

Com a mão trêmula, ela encostou na borboleta, que aquietou-se em seu dedo. Amanda sorriu. Os olhos brilharam e o coração disparou.

Com extremo cuidado, Amanda foi até a cozinha e pegou um pote, onde prendeu a borboleta.

Amanda estava reagindo. Acompanhada da borboleta ela comeu, lavou-se, arrumou-se e foi caminhar.

Neste dia pareceu até que o sol demorou um pouco mais a se pôr só para poder ver Amanda sorrir.

...

Amanda caminhou até a praça e sentou-se no gramado. Tudo parecia estar voltando ao normal, mas ao olhar para o pote, Amanda notou que a borboleta estava fraca e pálida, assim como ela se encontrava há algumas horas.

Amanda entrou em um dilema. Ela não sabia o que fazer. Ao mesmo tempo que tinha medo de soltar sua companheira e voltar à sua tristeza sem fim, ela sabia que não era justo manter a borboleta na mesma situação que ela se encontrava.

Foi então que Amanda decidiu soltá-la. A borboleta cambaleou, mas voou, pra bem longe... onde poderia alegrar novas vidas.

Doeu, mas ela soltou. Por mais que lhe fizesse bem, Amanda sabia que não era justo prendê-la.

E pra quem gosta de finais felizes, saiba que de vez em quando a borboleta vai visitar Amanda, que agora vive bem, apesar de tantos pesares.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Mais um



Seria apenas mais um passeio habitual por mais uma de tantas praças da cidade se não fosse pela espantosa visão de um velho senhor que com os olhos fixados no chão parecia esperar pelo brotamento de um milagre.

Fiquei observando aquela cena por alguns minutos, mas acabei cedendo à intensa pressão de minha consciência e fui embora a fim de dar conta de cumprir meus afazeres.

Confesso que fiquei com aquela cena na cabeça e curioso que sou comecei a passar todos os dias por aquela praça. E pra instigar ainda mais minha curiosidade... Acredite, aquele velho senhor ficava sempre sentado naquele mesmo banco, olhando fixamente para o chão, como se a qualquer momento algo extraordinário fosse surgir da terra.

Já num outro dia, em um dia daqueles que nada se encaixa, tudo parece tão sem sal, resolvi então passar por aquela praça e indagar aquele senhor.

Chegando no local, me aproximei aos poucos, sentei ao seu lado no banco e também olhando para aquele pedaço de chão, cheio de terra, perguntei:

- Desculpa lhe atrapalhar, mas preciso lhe perguntar. Por que todos os dias que passo por esta praça vejo o senhor olhando para o mesmo lugar?

Sem deixar de olhar para o chão, ele respondeu:

- Plantei minha mulher e estou esperando ela brotar.

Espantado com sua resposta, retruquei:

- Como assim? Sua esposa está enterrada aí?

Sem mover a direção dos olhos, ele me respondeu:

- Ela faleceu há alguns anos. Seu nome era Rosa. Era bela e perfumada. Ela quem dava cor ao meu dia.

E então ele desatou a chorar, mas sem deixar de olhar pra chão.

Esperei alguns segundos e insisti pra que ele continuasse a história. E ele continuou:

- Peguei um fio de cabelo dela e plantei neste local. Agora é só esperar ela brotar e crescer. Não vejo a hora de poder vê-la novamente.

Encabulado com a história, acendi um cigarro e burramente perguntei:

- Mas as pessoas nascem assim? Você não acha que deveria procurar ajuda pra aceitar a morte de sua mulher?

Ainda com os olhos fixos no pedaço de chão ele surtou e gritou:

- Quem você pensa que é pra me perguntar uma coisa dessa? Sei muito bem que todos pensam que sou louco, mas não vejo a hora de Rosa brotar pra voltar a mostrar minha felicidade ao mundo. Agora saia daqui com este fumo imundo. Não fará bem à Rosa.

Atordoado com os berros tomei meu rumo e nunca mais passei por ali...

Após alguns anos, a cena me fugiu da memória, mas por engano, um dia acabei tomando o rumo daquela praça e me decepcionei ao ver que o senhor não se encontrava mais ali.

Depois de conversar com alguns comerciantes próximos da praça, descobri que ele havia falecido ali mesmo, há alguns meses. Basicamente eles relataram que ali morreu um velho louco de uma forma banal.

Insatisfeito com esse final preferi acreditar que ali morreu uma pessoa comum, que morre como qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar, acreditando em qualquer coisa.

(Marcus Paulo Moreira Matias)

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Dia Cinza



Tem sol, mas não tem brilho
O pão é o mesmo, mas não tem gosto
Os olhos estão abertos, mas não tem cor
O tanque está cheio, mas o motor parou.

...

Quem sabe mais uma xícara de café?
Continua amargo.
As palavras entram, mas nenhuma fica.
O corpo sua, mas a alma está fria.

...

Há muitas pessoas, mas poucos sorrisos.
Alguém pode desligar isso e começar tudo de novo?
Um dia cinza...
Se alguém o desenhou, me avise. Posso lhe emprestar a borracha.

(Marcus Paulo Moreira Matias)

domingo, 16 de outubro de 2011

Quem foi que peidou ?


Pior que os de Cazuza, os meus dias vão de 7 em 7. É chato, cansativo, é difícil enfrentar a rotina que eu mesmo criei...

A gente come, caga, fuma, trepa, mas o mundo continua no mesmo lugar. E eu aqui com essa mania de achar que sou o centro do universo... Por que não consigo ler a cabeça das pessoas ?

O ser humano evoluiu demais, passou do ponto. Viver simplesmente como o tal, não faz sentido, queremos ser famosos, chamar atenção, comer os melhores pratos e passear nos melhores lugares, quiçá inventar a cura pra morte...

Se Jesus veio pra pagar nossos pecados, só pagou uma das prestações. Nossa dívida é alta, uma culpa sem fim, uma infinita insaciedade.

Diabo ? Esse é caricatura do ser humano.

As mulheres ? Se enlouquecem. Será que sou a mais bonita ? Será que estou sendo vista e valorizada ?

Não sei o que aprontamos no Jardim do Éden, mas essa história está mal contada. Parece até que Deus é um astrólogo, que prevê o futuro, mas nada pode fazer...

Vai ser humano, vai comer o pão que o diabo amassou, o vinho fica por conta de Deus, mas quando tudo isso virar merda, aguenta o cheiro sozinho.

(Marcus Paulo Moreira Matias)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vida Estranha



Vida estranha...
Hora em cima, outra embaixo.
O meio é um mito, ilusão, objetivo.

Será que estou penetrando em seu coração ?
Doce ilusão...

A vida é uma luta constante.
Da euforia de um sábado,
Ao desânimo do domingo.
E até no pulso de um cadáver, a sete palmos da terra, o relógio faz tic-tac.

O tempo vai passando...
As pessoas vão se distanciando...
Os amores acabando...
As novelas recomeçando...
O futebol já parece uma comida sem tempero,
Que mesmo sem gosto, comemos pra não morrer de fome.

...

Mas veja,
As árvores ainda crescem.
Meus cabelos também crescem.
Há lindas mulheres a minha espera.

Que venham novos problemas.
Que vençam outras prestações.
Pare de reclamar dos opostos.
O meio, o centro e o nada estão na morte.

E mesmo que seu time esteja perdendo de goleada,
Campeonato que vem a bola rola outra vez.

Continue na luta, mas não se esqueça:
Esteja onde estiver, como estiver, a estabilidade não existe, é apenas o combustível pra gente continuar lutando para o fim da instabilidade.

(Marcus Paulo Moreira Matias)

domingo, 24 de julho de 2011

Uma carta ao meu primo Eugênio


"Boa Noite, meu caro.
Depois de mais uma soneca, de um dia de sábado, me vem a notícia: O Eugênio está se casando neste exato momento.
No primeiro momento, pensei:
Que bom, ele deve estar se sentindo bem, feliz...
Mas ao olhar algumas fotos de nossa infância, meu coração disparou, minha mão grudou na testa, fiquei perplexo.

...

Realmente, o tempo passa.
Não basta os outros falarem, não basta nem Cazuza dizer que o Tempo Não Pára. É só quando nos ocorrem esses momentos que a gente sente, percebe, que aquele tempo passou...
Com as vistas embaçadas, com o papel molhado de lágrimas é duro dizer:
Infelizmente muita coisa que sonhamos e até planejamos não aconteceu. Os nossos pais ainda são os mesmos, as minhas dúvidas ainda são as mesmas, as tuas certezas também...
A como eu queria voltar naquele tempo em que ao levantar a peneira e vê-a cheia de piabinhas, mesmo que com um pouco de galho, era como se sentir um cara realizado.
Desbravar as matas de um pequeno córrego. Correr atrás da bola. Sentir o fogo daquele fogão à lenha...
Como era bom julgar as atitudes dos nossos tios, nossos pais, nós podiamos fazer isso. Nós eramos puros, tinhamos a ficha-limpa, tinhamos uma vida inteira pela frente...

Mas o tempo passou... e hoje...

Você já tem uma filha. Mora longe. Os nossos pais continuam acreditando que estão certos, eles ainda discutem os problemas de sempre, sempre que tem oportunidade. O video-game está encostado. Será que está tudo gravado numa fita ?
E as nossas cabanas ? Os dias as derrubaram... A tapera velha está caindo, vai cair. O fogo do fogão à lenha, o vento apagou... A nossa pequena ilha no 'córguinho' a mata cercou. As fotos da lolita se apagaram e os bambus que serviam de traves pro nosso gol, secou...
Mas muita coisa ainda está de pé, no seu lugar: O vô, a vó, o fusca, o curral... O córrego ainda se encontra vida, as orquídeas continuam brotando, os peixes ainda caem nas nossas íscas, acho que fomos nós que mudamos, pra melhor, ou pior...

E num clima meio melancólico vou me despedindo... O tempo levou muita coisa, mas nos trará muito mais, como a sua filha, como o seu casamento, por exemplo. Penso que o importante é tentarmos viver o depois como viviamos antes, curtindo os mínimos detalhes, curtindo cada segundo. E que quando acharmos que já sabemos de tudo, que uma pedra voe em nossas cabeças e faça-nos descrer dessa bobagem.

Um brinde a você. Um brinde a sua nova família.

Eu brindo daqui com mais uma dose de sertralina, você brinda daí, com mais uma dose de Deus.

Um forte abraço, nos vemos em breve...

(Marcus Paulo Moreira Matias)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Clássico


Bom dia.
Hoje a noite teremos mais um clássico entre Palmeiras e Corinthians. A expectativa de ambas as partes é grande. O local da partida ainda não foi decidido, mas a escalação será a mesma da partida passada.

Mas antes de começar a narrar este jogo, tenho que contar pra vocês como foi o início deste clássico...

... foi em 2004, em Abril ou Maio. Estávamos todos reunidos em casa: meus tios, minhas tias, mamãe, papai, cachorro, gato e também o periquito.

Era a grande final do campeonato brasileiro. Palmeiras de um lado, Corinthians do outro. Estávamos todos sentados, com camisa alvi-verde, terço na mão e fé no coração. E antes que o juiz apitasse o início da partida, a campainha tocou. Era meu vizinho, e pior corintiano...

Meu pai mandou desligar a TV e fingir que não havia ninguém ali, mas minha mãe, que não gostava tanto de futebol e tinha o 'coração mole', abriu a porta e perguntou:

"Boa Noite Sr. Augusto, posso lhe ajudar ?"
"É que a TV de casa pifou e como é final de campeonato, não posso perder nenhum lance da partida." - respondeu o cretino.
"Mas é claro." - disse mamãe.

E antes que minha cara fechasse de raiva por conta da maluquice de mamãe, eis que surge um rosto de menina: olhos brilhantes, boca avermelhada, cabelos castanhos escuros, pele branca e nariz empinado.

"Esta é a minha sobrinha Bruna." - disse Augusto.
"Como ela é bonitinha..." - Comentou mamãe.
Papai não perdeu tempo e comentou:
"Só estraga esse pano de chão que ela está vestindo." (e todos caem na gargalhada...)

O jogo ia começar. Todos sentaram. Os palmeirenses oravam pra Maria, os corintianos pra São Jorge.
Apitou o juiz. A bola estava rolando!

O clima estava tenso. Enquanto todos roíam as unhas olhando pra TV, eu fica olhando pra garota e pensava: Como é que pode nascer uma coisa tão linda assim ? Que pele. Que boca. Que nariz. Devia ter belas pernas. Devia ter belos seios. Devia...

Eu não conseguia me concentrar na partida. Aliás, naquele momento, a partida já não fazia mais sentido pra mim. E digo mais, naquele momento eu faria qualquer coisa pra tê-la em meus braços, trocaria até de time.

...

Há muito tempo que eu não sentia aquilo. Eu precisava conquistá-la. Aquilo seria um verdadeiro título de campeonato.

Fim do primeiro tempo: 0 a 0. O jogo estava truncado, o juiz apitava até pensamento...

Enquanto os homens foram pra varanda, as mulheres foram pra cozinha. Eu fiquei sentado no sofá (como se a garota fosse sentar do meu lado e começar a conversar)...

Eu precisava ir ao ataque. O 0 a 0 não me servia. Foi quando tomei coragem, fui à cozinha é disparei:
"Mãe, vou à padaria buscar uma coca-cola."
"Vá e busque um maço de Marlboro pra mim." - disse ela.

Foi quando enchi o peito, fingi que não fazia tanta questão e perguntei, quase que gaguejando:
"Quer ir comigo Bruna ?"
"Sim. Vamos. Preciso tomar uma ar mesmo..." - ela respondeu.

Respirei aliviado, abri um sorriso e fomos à padaria...

...

Enquanto caminhávamos, eu pensava no que falar, ela me olhava com um semblante calmo e tranquilo, como se nada estivesse acontecendo (o que chegou até a me irritar)...

Depois de cinco minutos sem falar uma palavra sequer, me veio uma coragem súbita. O coração disparou, as vistas escureceram, as mãos ficaram frias, a voz gaguejou, mas consegui falar:

"Vamos sentar um pouco naquele banco ali ? Preciso te contar uma coisa..."
"Não. Acho melhor não." - Ela responde

Meu mundo desmoronou. Ela não quis nem saber o que eu tinha pra falar. Até que ela completa:
- Brincadeira, vamos lá.

Meu mundo se ergueu novamente.

Naquele momento me senti como um cachorrinho. Daqueles que quando o dono briga, fica triste e cabisbaixo, mas quando o dono brinca, abre o sorriso e quase que mija pelas pernas de tanta alegria.

Sentamos no banco. Virei de frente pra ela e comecei a falar...

"Desde que te vi entrando por aquela porta, não consigo prestar atenção em outra coisa. Esses seus olhos, seu cabelo, (Naquele momento com uma mão segurei sua mão esquerda e com a outra fiquei ajeitando seu cabelo por dentro das orelhas e continuei falando...) sua pele, seu sorriso. Sei que é extremamente cedo pra isso, mas eu vou arriscar..."

Beijei a boca dela. Ela retribuiu com sua língua, macia e gelada, que fazia de mim, naquele momento, o cara mais feliz de todos!

...

É, eu tenho que concordar, foi um lindo início.

Do resultado do jogo eu nem me lembro. Posso procurar depois na internet, mas que realmente, depois de ver aquele rosto entrando em minha casa, depois de pegar na sua mão, depois de sentir aquela boca que se encaixava na minha, pude ter certeza que o placar do amor estava aberto.

...

Essa foi a história do início desse clássico, que contando agora pra vocês, me fez pensar:

O que seria do Palmeiras sem o Corinthians ? O que seria do Corinthians sem o Palmeiras ?

Quando a gente ama não tem preconceito. Não tem maldade. A cor da camisa não importa. E digo mais: Se não tivesse o adversário do outro lado do campo, a partida perderia todo o sentido... (Será que é por isso que Deus deixou o diabo... deixa pra lá).

Agora deixa eu correr pro aquecimento. A partida já vai começar. Lembrando que hoje, os times vão jogar sem camisa e sem bermuda, mas entrarão em campo com o coração e o tesão, tesão o qual, sem o adversário do outro lado do campo, jamais existiria.

(Marcus Paulo Moreira Matias)